domingo, 21 de março de 2010

Happyland é aqui!

Conhecendo algumas cidades em diferentes partes do mundo, seja em Campinas, Vilhena, Vitória, Mantes-la-Jolie, Paris, Leiria, Londres, Baden-Baden, New Orleans, Silver Spring ou Washington,Buenos Aires com suas culturas distintas e línguas diversas, reparei dois pontos extremante iguais entre as pessoas e suas cidades. A primeira é em relação ao próprio ser humano, que, seja onde for, busca: conhecimento, um bom trabalho, uma boa música, sexo, um parceiro ou parceira que lhe faça companhia, comida gostosa, férias, festas, se está feliz busca alguma forma de ficar triste e vice-versa, algo em que acreditar, sonhos e suas realizações, beber, dançar, um gato, cachorro… Mas isso é o assunto para uma próxima conversa. O segundo ponto comum entre as pessoas que vivem nas cidades ao redor do planeta é o MEDO.

Lembro de estar na ETEP, Escola Técnica de Paulínia, no segundo ano do curso de Química, todavia, preocupava-me mais com a Educação Física e os campeonatos de vôlei e handball; com a minha primeira namorada Vivian e seus olhos azuis; com aulas de geografia e literatura do que, propriamente, com as aulas de laboratório, seus reagentes, pipetas, fórmulas e tubos de ensaios chatos. Foi justamente com o professor de literatura Arley, quem em 2002 nos levou à Bienal de São Paulo, que me deparei com uma maquete idealizada pelos arquitetos Isay Weinfeld e Marcio Kogan juntamente com o texto abaixo Venham viver em Happyland, um dos mais bem escritos e realísticos que já li. Este foi redigido num tom irônico, bem humorado e, sobretudo, crítico ao mundo que estamos idealizando, as relações que criamos com as pessoas ao nosso redor e ao modo como estamos construindo nossas cidades. Leia, reflita e veja se há alguma semelhança com o nosso cotidiano e com o rumo que estamos tomando. Se possível, leia em voz alta.

Venham viver em Happyland!
de Isay Weinfeld e Marcio Kogan

Venha sentir novamente o que é felicidade! Uma cidade que só nos proporcione prazer. É o fim do medo, das angústias… da liberdade. A segurança em primeiro lugar.

Qual a vantagem de ser livre? Andar por aí morrendo de medo? Pois é. Em Happyland, todas essas frivolidades foram abolidas. Será que existe algum tipo de prazer em você sair de casa, dar a mão para o seu filho e passear calmamente pelo bairro com o seu poodle na coleira? Qual é a graça? Para quê? Para cruzar com os vizinhos insuportáveis na rua? Pra cumprimentar o barbeiro que semana passada fez sem querer aquela barberagem no seu cabelo? (onde já se viu alguém fazer alguma coisa sem querer?) Para observar o horror da arquitetura? Este modelo de cidade em que as pessoas se cruzam nas ruas, se olham, se conhercem, se enamoram num encontro casual…, este modelo está totalmente ultrapassado.

Em Happylandm não! Isto jamais acontecerá. Você não cruza com ninguém, você não vê ninguém, você não conhece ninguém, você não se enamora, mas também não se ilude, não sofre, não chora e assim é melhor para todos.

Isso não quer dizer que você não possa sair para dar uma volta a pé nos parques, viadutos ou à beira do rio. Há inúmeras lojas no Shopping Center que vendem coletes salva-vidas, e é lógico que você não vai ter um poodle em Happyland, aquele ridículo cachorro decorativo, mas se você tiver um pit-bull, por que não? Sem coleira, evidentemente.

Outra grande vantagem é que Happyland é uma cidade sem história. Uma cidade política e economicamente não aliada a nenhuma outra civilização. Uma cidade que não se compromete com nenhum ideal, ou seja, uma cidade com possibilidades remotas de ataques terroristas suicidas. Mesmo assim é precavida: as “Novas Torres Gêmeas” estão colocadas na horizontal, e como a falta de comunicação entre as pessoas é total, não há Correios em Happyland, para evitar contaminalção de antraz. Já dentro do Shopping Center há uma área reservada para a explosão de homens-bombas. É super bem localizada. Ao lado da praça de alimentação.

Na realidade, a vida em Happyland é muito tranquila. Sabe aquela vidinha pacata, de cidade do interior, que todos nós idealizamos? Pois bem, assim é em Happyland! Você sai tranquilamente de um dos magnifícos condomínios residenciais, como le Hameau, Ruínas do Morumbi ou Aerocasa e entra em seu carro blindado.(Não coloque vidro fumê! Seja altivo. Encare o assaltante e deixe que ele veja em que está atirando). Se você sobreviver, atravesse o Parque dos Refugiados e siga direto para seu escritório localizado nas “Novas Torres Gêmeas”. Passe o dia dentro de sua sala blindada comunicando-se através de telefones com seus funcionários. Esse contato caloroso entre as pessoas, essa confraternização…é isso que dá o tom agradável em mais um dia de trabalho. E ai você nos perguntará: Se a comunicação é feita por telefone, por que se locomover da residência ao escriotório? Péssima pergunta a sua: Você sai um pouco, muda de ares comprimidos, vê através de vidros à prova de balas, pessoas novas mesmo que sejam desinteressantes e não tenham o que falar pelo celular, e o mais importante: o fato de você sair de casa de manhã e ter finalmente a certeza de que à noitinha voltará são e salvo. Talvez mais salvo do que são.

Na volta do escritório, não custa dar uma passadinha pelo Pátio de Desova de Sequestrados, só para ver se tem algum sequestrado na família esta semana e tendo ou não tendo, seguir feliz para casa. O domingão é dia de levar a família passear de Bateau-Mouche Blindado pela manhã, visitar o Salão do Carro-Bomba à tarde e que tal terminar o dia no Shopping Center numa sessão de cinema? Não para assistir evidentemente àqueles filmes água-com-açucar tipo “O Exterminador de Cyborgs”. Afinal, a gente vai ao cinema para ver alguma coisa mais forte, impactante, inusitada… para fazer nossa adrenalina subir, alguma coisa totalmente foro do nosso dia-a-dia. Que tal um filme de amor?

Depois desta péssima experiência, vá direto para sua casa e tranque-se várias vezes. Fique confinado. Faça de sua vida um verdadeiro “reality show”. Mas sem final feliz.

Felicidade é que já temos de sobra em Happyland.

Um comentário:

  1. Olá!

    Antes de mais gostaria de lhe dar os parabéns pelas belas amostras de posts que já aqui tem.
    Gostei, apreciei imenso aquilo que li.

    Depois, espero e desejo que este seu blogue tenha tudo de bom para perdurar, pois, parece-me, o JP terá por aí tanto e tanto para partilhar... a blogosfera é assim.

    Acabo por comentar este post em concreto, pois diz conhecer a minha cidade, capital de meu distrito, Leiria, (eu vivo na vila de Porto de Mós), e também a Cidade que se pode considerar do meu co-editor e amigo no blogue http://cosmeticas.org , o Nuno - Paris.

    E por último, mas não menos importante - podia ter sido o princípio do comentário - agradecer a cortesia de Link ao nosso blogue. Sentimos-nos lisonjeados, por termos alguém do outro lado do atlântico a acompanhar-nos e creditar-nos dessa forma. Obrigado.
    Não é meu habito fazer troca por troca nisto dos links, se linko é porque o espaço em questão me conquistou respeito e apreço para tal, independentemente se retribuem ou não o meu link. Quero eu com isto dizer, que será um gosto linkalo lá no COSMéTICAS também, logo que perceba em que categoria de limks se encaixa melhor: Assi en FR ? Pessoais? Locais? etc... Ajude-me o JP a decidir. :-)

    Um abraço deste lado de cá do Atlântico.
    PC Jerónimo da Silva

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